domingo, 17 de julho de 2011

Síndrome de Asperger tem relação com o autismo, mas a condição não afasta indivíduos do convívio social.

Por Enio Rodrigo
 
Síndrome popularizada por personagens como Sheldon Cooper, do seriado The Big Bang Theory, faz parte dos transtornos do espectro do autismo e impacta a forma como o indivíduo se comunica e interage socialmente.
 
Dificuldades em conversar, interagir em ambientes sociais e ter áreas de interesse muito específicas – envolvendo comportamentos repetitivos e redundantes – pode indicar uma condição conhecida como Síndrome de Asperger, uma variação mais branda dos chamados transtornos do espectro do autismo (TEA), condição que atinge uma em cada mil crianças no mundo todo.

“O diagnóstico dos TEA é feito a partir de três áreas bastante afetadas nos indivíduos com autismo: comunicação, interação social e comportamentos repetitivos restritos. Importante salientar também que esses indivíduos têm, na grande maioria dos casos, níveis intelectuais comprometidos. E essa é a grande diferença para os chamados ‘aspergers’: eles não necessariamente têm atrasos no desenvolvimento cognitivo”, explica Julianna Di Matteo, psicóloga e pesquisadora do tema, que trabalha com o Grupo de Saúde Mental da Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência (Avape), ligado ao Projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPq/USP).

Os indivíduos aspergers não só não têm dificuldades cognitivas, como também podem se destacar em algumas áreas do conhecimento justamente por causa da característica que acompanha os TEA, ou seja, os comportamentos repetitivos. O repertório é restrito, mas aprofundado para determinados temas.

“Quando eles têm um objeto de interesse, o foco de atenção é bastante alto nos detalhes desses objetos. Se for a matemática ou datas, por exemplo, eles acabam se tornando uma espécie de ‘experts’ nessas áreas. A mesma coisa acontece com outros objetos mais concretos, como a mecânica de um automóvel, digamos”, exemplifica a especialista.

Os aspergers também têm um maior nível de interação social do que os indivíduos com autismo. A dificuldade ainda é presente, mas apesar disso as condições para essa interação são maiores. “O que pode acontecer é eles interagirem de uma forma diferente como, por exemplo, apresentarem trejeitos físicos ou na linguagem – falar de forma prolixa ou com uma entonação diferente – que fica nítido para o interlocutor e que chama a atenção”, diz a especialista.

Q.I. acima da média?

Por causa dessa facilidade em se aprofundar em determinados temas de interesse, é comum que se associe a Síndrome de Asperger a uma maior inteligência. Não é bem assim, diz Di Matteo. O que acontece é que o desenvolvimento intelectual dos aspergers segue a mesma linha do observado nos indivíduos sem a síndrome, ou seja, há variações diversas. “Como a síndrome não está associada necessariamente a uma perda cognitiva, eles podem desenvolver inteligência mediana ou acima da média. Mas a síndrome não é uma determinante para isso.”

Essa associação a um Q.I. elevado vem, principalmente, de personagens que se tornaram notórios na vida real ou na televisão. O caso da pesquisadora Temple Grandin – conhecida no Brasil principalmente por ser a “inventora da máquina do abraço” e cuja vida virou uma série premiada em um canal pago americano, estrelada pela atriz Claire Danes – é um desses. Mas talvez o mais popular seja o personagem Sheldon Cooper, um dos astros da série The Big Bang Theory.

“Se Sheldon fosse uma pessoa real, poderíamos dizer que ele tem traços bastante indicativos de Asperger. A dificuldade dele em reconhecer sutilezas na hora de se comunicar – como expressões faciais ou então quando há sarcasmo nas frases – e a tendência de levar tudo o que se fala ‘ao pé da letra’, são características da síndrome. O foco intenso na sua área de atuação também poderia ser outro indicativo”, afirma a psicóloga.

Distância emocional

Outro lugar-comum quando o assunto é o TEA e, consequentemente, a Síndrome de Asperger, é quanto à dificuldade desses indivíduos estabelecerem laços emocionais. Mas não se deve deixar enganar. Apesar da falta de contatos nos olhos e da comunicação difícil – os assuntos normalmente giram em torno daquilo que eles gostam –, os autistas e aspergers também têm grande afeição pelas pessoas próximas. “No caso dos aspergers, eles lidam bem com o fato de ficarem sozinhos. Mas deixam claro o que sentem pelos familiares, por exemplo. Eles verbalizam essa identificação com as pessoas, mas são pragmáticos e lidam bem com as situações emocionais”, diz Di Matteo.

Por conta de tudo isso, os indivíduos com Asperger também podem – caso desejem – ter uma rotina normal, inclusive aquelas ligadas ao trabalho. “Mas eles têm certa dificuldade de lidar com a pressão – pois não são flexíveis e podem se desorganizar – e de fazer algo que não seja de sua área de interesse.

Nesses casos, uma comorbidade identificada pelos pesquisadores aqui na Avape foi o aparecimento de transtornos depressivos. Isso ainda é uma hipótese e estamos trabalhando para identificar exatamente como isso acontece. Estamos trabalhando para coletar dados que comprovem essa comorbidade e gerar pesquisas científicas na área para chegar a conclusões confiáveis”, finaliza Juliana Di Matteo.

Fonte: http://oqueeutenho.uol.com.br, em 20/06/2011.