sábado, 28 de agosto de 2010

Análise das propostas: especialistas apontam urgência em aumentar parcela do PIB para a educação

Por Desirèe Luíse e Sarah Fernandes.

Levantado pela maioria dos candidatos à Presidência da República como prioridade, aumentar a parcela do Produto Interno Bruto (PIB) destinado à educação também é uma urgência para especialistas da área. O aumento poderia garantir maior repasse da União para cumprir políticas estaduais e municipais, além de ajudar a validar o piso salarial dos professores.

A avaliação foi feita a partir das propostas levantadas nas entrevistas com os quatro principais candidatos, publicadas pelo Portal Aprendiz entre 23 e 26 de agosto. Foram ouvidos representantes do Conselho Nacional de Educação (CNE), Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), da organização não-governamental Ação Educativa, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

“Cabe a União repassar recurso para ajudar a cumprir o piso salarial do professor e a implantação do Custo Aluno Qualidade (CAQi)”, declara o presidente do CNE, Antônio Carlos Ronca. “É urgente aumentar a verba para educação. O ideal seria chegarmos a 10% do PIB. Isso, porém, depende do crescimento do país. O que vejo como viável é alcançar 7% nos dois próximos anos”.

Com orçamento maior, uma das expectativas, de acordo com o presidente da Undime, Carlos Eduardo Sanches, é garantir acesso ao ensino para todas as crianças de 4 a 17 anos. Uma Emenda Constitucional aprovada no final do ano passado tornou obrigatório o ensino a todos que estão nessa faixa etária. Estados e municípios têm até 2016 para cumprirem a meta.

Segundo a Secretaria de Educação Básica do MEC, 4,18 milhões de crianças no país ainda estão fora da escola. “Maior financiamento também deve servir para contratar e beneficiar os professores, além de investir em equipamentos e infraestrutura. Um centro de educação infantil custa cerca de 70% dos valores investido na obra por ano. Estamos com os orçamentos completamente estrangulados”, completa Sanches.

Investir na inclusão digital também foi apontado como essencial para melhorar a educação no Brasil. Informações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) revelam que o Programa Banda Larga nas Escolas alcançou quase 73% das instituições públicas de ensino do país. No entanto, é preciso garantir a apropriação da tecnologia digital por todos, ressalta Sanches.

Além disso, a presidente da Apeoesp, Mariz Izabel Noronha, diz que é preciso melhorar os recursos didáticos pedagógicos atuais. “Não adianta deixar o aluno em uma sala que é do século passado, o aluno está em outro contexto. Ele não se interessa por lousa, mas por lan house”, avalia.Para a Ação Educativa, mais importante do que determinar uma parcela do PIB para o ensino, seria o comprometimento dos candidatos à Presidência em fazer valer o Custo Aluno Qualidade (CAQi).

A adoção do mecanismo, que determina um valor mínimo por estudante para garantir qualidade do ensino, foi levantado como uma prioridade na Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada entre março e abril de 2010. Os especialistas também avaliaram que a implantação do CAQi deveria ser uma urgência para os presidenciáveis. “A medida é especialmente importante para as regiões mais pobres, que sofrem com mais desigualdade”, declara o presidente da CNE. “A União deveria repassar verba para garantir o CAQi”.

Professores
Reestruturar o piso salarial dos professores também deveria ser algo primordial para os candidatos, segundo o CNE. “O valor deve ser atualizado a cada ano e deve ser mantida a exigência de um plano de carreira para o magistério”, afirma Ronca. “Alguns estados, para cumprir o piso, tiram dos professores conquistas da carreira, mas precisamos dos dois juntos. A União deve ajudar com recursos”, ressalta.
“Sem dúvida, as condições de trabalho do professor são essenciais para melhorar a educação. Determinar forma de contratação e evolução na carreira do magistério é importante, porque ninguém mais quer ser professor com as condições atuais.

Com maior financiamento, poderá se investir em carreira e formação”, completa a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha.Parte dos profissionais da educação básica ainda não recebe o determinado pela lei do piso nacional do magistério, aprovado em 2008, pelo Congresso Nacional. O valor é de R$ 950, para uma jornada de 40 horas semanais.

Em dezembro de 2009, o MEC recomendou um reajuste que eleva o total para R$ 1.024,67. Professores de cinco estados brasileiros (RS, SC, CE, MS e PR), por exemplo, já entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a efetivação do piso, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Para Maria Izabel, é necessário primeiramente que o piso seja instituído em todo o país, para depois ocorrerem mudanças necessárias. “O piso deve ser um ponto de partida. Depois, podemos avaliar. Mas já acreditamos que o valor pago poderia, por 40 horas/aula, ser referente a 20 ou até 30 horas/aula”, avalia.
Em razão dos baixos salários, parte dos municípios completa a renda do professor com gratificações. Maria Izabel alerta que o bônus não agrega a vantagem que deveria à remuneração, pois quando aposentado, o docente receberá o salário proporcional, sem considerar o que recebeu em bônus.

Sistema Nacional Articulado
Implantar o Sistema Nacional Articulado de Educação é o maior desafio na área para o próximo governo, segundo a Ação Educativa. “As diretrizes do MEC [Ministério da Educação] só serão cumpridas por meio de parcerias com estados e municípios, senão seu trabalho fica apenas na sensibilização”, afirma Mariângela Graciano, coordenadora do projeto Observatório da Educação — uma das ações da ONG. “Embora a criação do sistema tenha sido deliberada na Conae, nenhum candidato explicitou como vai ser feito”.
A presidente da Apeoesp concorda que um sistema único de educação é essencial. “Cria-se um regime de colaboração. Do jeito que está é complicado, pois o fato de o estado ser governado por um partido e o município por outro, em muitos casos, gera embates que impedem o diálogo”, explica.

Etapas do ensino

Outra urgência para o próximo governo é suprir a demanda por creches, para crianças entre zero e três anos. “Ela não pode ser obrigatória, mas a mãe que quer deixar o filho na escola tem que ter esse direito”, afirma o presidente do CNE. “Hoje o orçamento não permite que o governo absorva toda a demanda.

Os convênios seriam uma boa estratégia em uma etapa inicial”. O Observatório da Educação vê a necessidade do Estado assumir as creches o quanto antes. Já o presidente da Undime, enxerga as parcerias público-privadas com receio. “Podemos discutir sobre isso. No entanto é do poder público a obrigação da oferta do ensino com qualidade. Mais uma vez fica explícita a necessidade de mais recursos para garantir que isso ocorra”.

Para ensino médio, a urgência é reformular o currículo. “Existem dez disciplinas que não têm relação entre si. Muitas vezes os professores nem se conversam”, conta Ronca. Uma saída para combater a evasão, um dos principais problemas dessa etapa do ensino, poderia ser aliar o ensino médio com profissionalizante. “50% dos jovens que deveriam estar no médio não estão. A profissionalização pode torná-lo mais atrativo e ensinar uma profissão”, completa.

Ensino superior

A política de cotas, defendida por alguns candidatos, pode ferir a autonomia universitária, segundo o último presidente da Andifes, Alan Barbiero, que ocupou o cargo até julho de 2010. “A política de inclusão social deve ser pensada por cada universidade. O que o governo pode fazer para ampliar o acesso é abrir cursos noturnos e construir campus no interior”, sugere.

Quanto ao Programa Universidade para Todos (ProUni), que gerou divergência entre os candidatos, ele considera que “não é o melhor caminho, mas dada a realidade de a maior parte do ensino superior ser privado, não é possível desconsiderá-lo”.

Programas fracos dos presidenciáveis

Os programas dos quatro principais candidatos à Presidência foram considerados imprecisos pela ONG Ação Educativa. “Faltam propostas para direitos que já são assegurados por lei, como a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos e a educação em presídios”, comenta a coordenadora Mariângela Graciano. “Faltaram referências às diretrizes levantas pela sociedade na Conae, nem citaram se os candidatos pretendem dar continuidade ao PDE [Programa de Desenvolvimento da Educação]”, aponta. “Com a imprecisão, fica difícil fazer o controle social das propostas. Nenhum deles faz referência à participação da sociedade civil”.

"Também uma grande expectativa é saber se poderemos ter um Plano Nacional de Educação adequado, que represente os grandes anseios da sociedade, que estipule metas e prazos. Não tenho ouvido muitos candidatos tratarem disso”, afirma o presidente da Undime, Carlos Eduardo Sanches. “Questões pontuais dentro da educação também não são debatidas. O processo eleitoral acaba provocando uma discussão superficial. Lamento que as falas sejam genéricas”, completa.
Fonte: http://educacao.uol.com.br em 27/08/2010.