quarta-feira, 21 de julho de 2010

Coração acelerado

Seja numa partida da Copa ou numa pelada, um jogador de futebol apresenta grandes variações na frequência cardíaca. Estudos sobre esse ritmo em condições de repouso ou de exercício derrubam mitos e apontam caminhos para uma vida mais saudável.
Maicon, que fez o primeiro gol da seleção nesta Copa, em disputa de bola (foto: Reto Stauffer – CC BY-SA 2.0).

Reunidos neste artigo, os resultados de pesquisas sobre o funcionamento do coração podem ser úteis no treinamento de atletas de diferentes esportes, bem como no desenvolvimento de novas formas de diagnóstico e de tratamento para disfunções e doenças desse órgão.

O coração humano é um órgão complexo, com duas bombas que funcionam no mesmo ritmo. Seu lado direito bombeia sangue venoso para os pulmões, onde ocorre a eliminação do gás carbônico e a absorção do oxigênio pelos glóbulos vermelhos. Seu lado esquerdo bombeia o sangue renovado para o restante do corpo, fornecendo oxigênio e outros nutrientes vitais para tecidos e órgãos.

O coração é uma bomba de fluxo intermitente, diferentemente das bombas usadas para retirar água de um poço ou encher a caixa d’água no alto de um edifício, que apresentam fluxo contínuo.

Um ciclo cardíaco (um ‘batimento’) tem dois períodos distintos: um de enchimento, denominado diástole, e outro de esvaziamento ou de bombeamento propriamente dito, chamado de sístole.

O coração funciona como uma bomba inteligente: sua vazão é ajustável às necessidades do organismoA vazão cardíaca, tecnicamente conhecida como ‘débito cardíaco’, é, portanto, o produto de duas variáveis: o número de vezes em que o coração se contrai, ou bate (frequência cardíaca), e o volume de sangue ejetado pelo órgão em cada sístole (volume sistólico). O cálculo do débito cardíaco é baseado no volume bombeado por um dos lados do coração.

Um fato importante é que o coração funciona como uma bomba inteligente, ou seja, sua vazão (normalmente medida em litros de sangue ejetados por minuto) é ajustável, dentro de certos limites, às necessidades do organismo. Esse ajuste ocorre por meio de variações do volume sistólico e principalmente da frequência cardíaca.

Esta é controlada primariamente – e de modo involuntário – pelos dois ramos do nosso sistema nervoso autônomo, com o ramo simpático acelerando os batimentos e o parassimpático (ou vago) freando. Em geral, esses dois componentes atuam ao mesmo tempo, quase sempre com algum grau de intensidade e de modo antagônico. Uma simples medida da frequência cardíaca nos informa bastante sobre o funcionamento do coração.
Boa forma: remadores e praticantes de outras modalidades esportivas aeróbicas tendem a apresentar frequência cardíaca de repouso mais baixa que a de indivíduos sedentários (foto: Scott Schmitz – CC BY-NC 2.0).

Atletas e sedentários
Atletas de modalidades esportivas aeróbicas, como nadadores, corredores de longa distância, ciclistas, remadores e praticantes de triatlo, tendem a apresentar frequência cardíaca de repouso mais baixa que a de indivíduos sedentários.

Já encontramos um maratonista de elite com frequência cardíaca de apenas 27 batimentos por minuto em repousoExercício aeróbico é aquele em que as exigências de energia dos músculos são supridas predominantemente por processos metabólicos que usam o oxigênio obtido por meio da respiração. Normalmente, esse tipo de exercício dura vários minutos, e pode chegar a horas.

Em nossa experiência, já encontramos um maratonista de elite com frequência cardíaca de apenas 27 batimentos por minuto em repouso (bpm), enquanto em adultos saudáveis e não atletas costuma ficar entre 60 e 80 bpm.

A bradicardia (frequência mais baixa) de repouso pode ser identificada após alguns meses de treinamento aeróbico em indivíduos previamente sedentários. Além disso, indivíduos fisicamente treinados e saudáveis, assim como os jovens, tendem a apresentar maior variação da frequência cardíaca em repouso, em especial ao respirar de forma lenta e profunda.

Para entender o funcionamento do coração, o ritmo dos batimentos é monitorado tanto durante a prática de exercícios quanto em condições de repouso (foto: Sxc.hu/Zak Ruvalcaba).

Ao menos em parte, essas adaptações ao treinamento devem-se a modificações do controle que o sistema nervoso autônomo exerce sobre o coração. Ao contrário do que muitos leigos pensam, uma frequência cardíaca em repouso muito constante e que não varia com a respiração não é saudável e pode indicar disfunção do sistema autônomo, mais frequentemente associada ao diabetes melito e a doenças das artérias coronárias.

No imaginário popular, o coração destaca-se entre os órgãos do corpo, sendo muitas vezes considerado o centro das emoções. Essa ideia equivocada se explica, ao menos em parte, pelo fato de que, quando nos sentimos alguma emoção mais intensa, é no coração e não no cérebro que percebemos os efeitos: os batimentos mais fortes e mais rápidos.

Neste artigo, exploraremos conceitos e mitos sobre o comportamento da frequência cardíaca no exercício físico, adicionando, aqui e ali, resultados das nossas pesquisas nos últimos 35 anos sobre esse tema.

Por: Claudio Gil S. Araújo
Fonte: Ciência Hoje On-line em 16/06/2010.